Crítica | A Natureza do Amor – Comédia Romântica entrega Corajosa Reflexão sobre Adultério e Desejo aos 40

Apresentado no Festival de Cannes 2023, na mostra Um Certo Olhar , A Natureza do Amor ( Simple Comme Sylvain ) é uma comédia romântica sobre — ainda pouca abordada no cinema moderno — a experiência da mulher adúltera em busca de prazer e paixão ao invés de segurança e conforto. O terceiro longa da canadense Monia Chokri é um intenso passeio de emoções sobre a vida amorosa da mulher independente do século XXI. 

Já na primeira cena, a diretora quebecoise nos coloca na mesa de jantar com dois casais de amigos, no qual conhecemos alguns aspectos de suas personalidades e, principalmente, classe econômica. Sophie ( Magalie Lépine Blondeau ), uma professora de filosofia universitária casada com Xavier ( Francis-William Rhéaume ) e do outro lado os amigos Françoise (vivida pela própria diretora Monia Chokri ) e Philippe ( Steve Laplante ) no patamar de progenitores em torno das necessidades dos filhos. 

Todos parecem cômodos em seus discursos de classe média bem sucedida entre belas taças de vinhos e uma vida confortável. Afinal, o status social será a tônica tanto para o desencadeamento de uma paixão quanto a comédia dos desencontros entre o desejo e a materialidade dessa fantasia no mundo real. Para acompanhar esta jornada, a trilha sonora também tem  sua mágica, com destaque para Still Love You (1984), de Scorpions , que adentra o roteiro e o romance iminente.  

Em sala de aula, Sophie ensina sobre a teoria do amor baseada na obra Retórica de Aristóteles e outros filósofos. Os sentimentos transmitidos a seus alunos, entretanto, estão adormecidos dentro dela, que aos 40 anos tem uma vida estável e sem grandes emoções. Para sair da rotina, o casal Sophie e Xavier estão prestes a comprar uma casa de férias no campo, distante da cidade e perto de um lago. O sonho da classe média moradora de apartamentos na capital, seja em qualquer lugar do mundo. 

A partir desse projeto, Sophie conhece o encarregado de obras Sylvain ( Pierre-Yves Cardinal ), o qual cuida dos últimos reparos da sua nova moradia sazonal. Como nos melhores clichês românticos, a moça da cidade encanta-se pelo jeito simples e rústico do moço do campo. Independente do esperado acontecimento, a química entre os atores funciona de forma a soltar faíscas em cena e o sorriso meio cínico meio ingênuo de Sylvain é um convite inevitável para o público e Sophia deixar-se levar se pelas expectativas de mais do que uma bela curvatura dos lábios. 

Narrativas de mulheres afortunadas e casadas que se envolvem com os trabalhadores braçais em busca de uma verdadeira paixão baseada na ideia do homem pobre, mas másculo, não é uma novidade. Os romances históricos, por exemplo, Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk (1865), de Nikolai Leskov , e O Amante de Lady Chatterley (1928), de D. H. Lawrence, já apresentavam a mulher adúltera em busca de seus próprios interesses, mas o cinema arrisca ainda muito pouco nessa dinâmica sem criar uma vilã.

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Se recomeços após traições alheias são enredos cativantes, como Sob o Sol da Toscana (2003), de Audrey Wells , a adúltera, tal como em Infidelidade (2002), de Adrian Lyne , recebe uma carga punitivista. Com bravura, Monia Chokri deixa essas características por terra e navega em uma madura trajetória a fim de permitir-se viver além dos rótulos. Quando Sophie entrega-se a Sylvain, ela adentra ao seu mundo simples e sua família, sem diplomas universitários e muitos erros linguísticos. 

Por diversas vezes, ela corrige o seu modo de falar de maneira a notar-se que este detalhe a incomoda. A direção de arte tem um trabalho notável em criar tudo sem tons beges e vermelhos como uma outono interminável na vida dos seus personagens, até mesmo uma pouco usual luva de plástico bege compõe o cenário perfeitamente modulado. Trabalho semelhante pode ser admirado no surrealista Babysitter (2022), segundo longa-metragem da diretora, disponível na plataforma MUBI

Antes de passar ao próximo capítulo de uma aventura, no entanto, Sophie precisa terminar o seguro, aprazível e duradouro relacionamento com Xavier. Cenas de términos de relacionamento costumam ser muitas boas, se feitas na medida certa, senão torna-se uma quebra de ritmo e de elo com o espectador. Como em filmes premiados pelos seus roteiros, Closer – Perto Demais (2004) e A Pior Pessoa do Mundo (2021) — ótimos exemplos de rompimentos dolorosos —, Chokri (que também assina o roteiro) deixa todos os dilemas da sua protagonistas navegarem de forma realista e pungente. 

Ao atravessar a barreira de convencer-se sobre suas escolhas, Sophie é uma mulher real, sem heroísmo, carregada de alguns preconceitos de sua classe e com dúvidas sobre como lidar com a realidade da carga sentimental adquirida nos livros de filosofia. Para uma comédia romântica, A Natureza do Amor entrega muito mais do que um bom momento de catarse cômica e emotiva, mas uma viagem de introspecção sobre vontade, coragem e aceitação.

Ganhador do César de Melhor Filme Estrangeiro 2024, A Natureza do Amor ( Simple Comme Sylvain ) estreou nos cinemas brasileiros no dia 25 de abril de 2024com distribuição da Imovision

Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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