Crítica | Beyoncé celebra as raízes do country e do gospel com o espetacular ‘Act II: Cowboy Carter’

“Toda música é negra” , disse Lady Gagaem entrevista à Billboard em setembro de 2020, poucos meses depois de ter lançado seu elogiado sexto álbum de estúdio, ‘Chromatica’. É notável como a indústria do entretenimento, seja ela no âmbito cinematográfico ou fonográfico, é pautado em uma supremacia branca que renega as origens de cada forma artística – cujos traços, eventualmente, nos levam de volta às primeiras pulsões de criatividade dos povos africanos e, por consequência, ao legado que as comunidades negras deixaram e continuam a deixar. E, dentre esses nomes, Beyoncéé uma das performers que utiliza sua merecida plataforma no escopo mainstream como baluarte para resgatar o que outrora foi perdido e o que precisa ser reclamado por aqueles que vieram antes.

Em 2022, nossa adorada Queen B causou um estrondo gigantesco ao lançar o melhor álbum do ano (e um dos maiores do século, diga-se de passagem), intitulado ‘Act I: Renaissance’– primeira parte de uma ambiciosa trilogia que revolucionaria sua própria imagem dentro da indústria. Não demorou muito até que lhe fosse atribuído o resgate da música house e do disco como forma de empoderamento do povo afro-americano, considerando as origens de ambos os estilos, imbuindo a construção do compilado com frenéticas misturas de R&B , pop , electro-house , hi-NRG , afro-house , tropical-house , reggae e diversos outros estilos que transformaram a obra em uma experiência sinestésica e incomparável. Dois anos e uma ovacionada turnê depois, Beyoncé estava pronta para virar a página no segundo capítulo dessa saga multimidiática – e assim nasce ‘Act II: Cowboy Carter’.

Esse grandioso épico, que conta com nada menos que 27 faixas, já vinha sendo trabalhado há muitos anos, desde quando a cantora e compositora sofria uma retaliação inexplicável ao se apresentar no Country Music Awards com a faixa “Daddy Lessons”, ao lado da banda The Chicks. À época, inúmeros artistas gritavam que ela não pertencia à premiação e nem mesmo ao gênero – uma constatação que, como bem sabemos, veio acompanhada de um teor racista e injustificável, considerando as raízes do country . E é claro que Beyoncé faria o que sabe fazer de melhor – provar a todos que estavam enganados. Pouco depois, ela fez história (mais uma vez) com o lançamento dos dois primeiros singles promocionais do álbum, “Texas Hold ‘Em”e “16 Carriages”, facilmente duas das melhores canções de 2024, dando apenas um gostinho do que vinha nos preparando.

Buscando inspirações nas raízes da família, a artista mergulhou de cabeça em um esquadrinhamento irretocável do country , do R&B , do gospel e até mesmo do trap em ‘Cowboy Carter’. O compilado abre com a espetacular faixa “Ameriican Requiem”, cujo título faz alusão à litúrgica declaração de re-empoderamento que deseja promover; através de um coro arrepiante e saudosista, ela navega por uma conceitualização do problema identitário ao nos presentear com versos como “eles costumavam dizer que eu falava muito country; então a rejeição veio, disseram que eu não era country o bastante” . Cada trecho dos quase cinco minutos e meio da faixa é pensado sob uma ótima específica, trazendo a dissonância da guitarra elétrica ao impacto da bateria e à sutileza do piano em uma vibrante e urgente jornada.

Durante essa aventura sonora, são vários os ápices que encontramos: obviamente, um dos aspectos que mais nos chama a atenção é o cover à la bluegrass de “Jolene”, clássica canção de Dolly Parton(que participa do álbum e que havia comentado que adoraria que Bey regravasse seu atemporal hit ), colocando uma personalidade irrefreável e deixando-se levar por uma naturalidade vocal de tirar o fôlego e de arrepiar até mesmo os mais céticos. “Bodyguard”é uma perfeita rendição country-pop com infusões de um soft-rock que nos transporta a um western contemporâneo e recheado de teatralidades que ninguém além de Beyoncé poderia nos entregar com tamanha perfeição e comprometimento com o que a letra pede – uma mistura de sensualidade e camp arrepiantes. “Ya Ya”, seguindo uma menção à Linda Martell, é uma amálgama dançante de country-pop , country-rock e go-go , cujas notas iniciais buscam referência na clássica “These Boots Are Made For Walkin’”, de Nancy Sinatra.

Como é de praxe àqueles familiarizados com a discografia da performer , o álbum dá espaço para ótimas e emocionantes baladas que ajudam a diminuir o ritmo à medida que cultivam terreno para entregas confessionais e declamatórias. Temos, por exemplo, o aguardado dueto entre Bey e Miley Cyrusna espetacular “II Most Wanted”, uma memorialística e narcótica track pincelada com as melódicas notas do violão e do banjo – em uma acústica desenhada com majestade por duas das maiores vozes da atualidade; “Protector”emerge como uma espécie de cantiga folk cuja multiplicidade de vozes é certeira e que premedita o ciclo da vida em que a cantora sabe que seus filhos estão crescendo ( “eu sei que, algum dia, você vai brilhar por conta própria” ); e, finalizando com chave de ouro, a performer ata os laços abertos da faixa de abertura com a evocativa e epifânica “Amen”, denotando sua fé inabalável em um cântico gospel aplaudível e inebriante.

Já é redundante dizer que Beyoncé faz mágica com seus álbuns – e ‘Act II: Cowboy Carter’é uma excelente adição a uma discografia que beira a transcendentalidade. Mais uma vez, nossa Queen B reitera seu inescapável status na indústria fonográfica com um disco que celebra a cultura negra não apenas ao reavivá-la, mas ao reclamá-la e retirá-la da subjugação a uma supremacia artística branca que se esquece do que veio antes e de quem merece, de fato, ser idolatrado como precursor e pioneiro.

Nota por faixa:

1. Ameriican Requiem – 5/5
2. Blackbiird – 5/5
3. 16 Carriages -5/5
4. Protector – 4,5/5
5. My Rose – 5/5
6. Smoke Hour ★ Willie Nelson – 5/5
7. Texas Hold ‘Em – 5/5
8. Bodyguard – 5/5
9. Dolly P – 5/5
10. Jolene – 5/5
11. Daughter – 5/5
12. Spaghettii – 4,5/5
13. Alliigator Tears – 4/5
14. Smoke Hour II – 5/5
15. Just For Fun – 5/5
16. II Most Wanted – 5/5
17. Levii’s Jeans – 5/5
18. Flamenco – 5/5
19. The Linda Martell Show – 5/5
20. Ya Ya – 5/5
21. Oh Louisiana – 4,5/5
22. Desert Eagle – 5/5
23. Riiverdance – 5/5
24. II Hands II Heaven – 5/5
25. Tyrant – 5/5
26. Sweet ★ Honey ★ Buckiin’ – 5/5
27. Amen – 5/5

Thiago Nolla https://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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