Crítica – O Sabor da Vida – Indicado da França ao Oscar é um deleite gastronômico, mas falta sal na narrativa

Vários filmes franceses buscam contar a trajetória dos primeiros restaurantes criados no país, dos seus cozinheiros e a paixão pela gastronomia ao longo dos séculos. Estrelado por Benoît Magimel e Juliette Binoche (ex-companheiros na vida real), O Sabor da Vida ( La passion de Dodin Bouffant ) é um dessas obras e pode ser chamado de “ food porn ”, por conta das impressionantes sequências de ingredientes manejados, caldos borbulhantes e misturas apetitosas aos olhos, porém é também um romance modorrento. 

Durante os 20 e poucos minutos iniciais, o cineasta vietnamita Trần Anh Hùng exibe com exuberância legumes e carnes refogadas, salpicadas com diversos temperos, em um trabalho lento, detalhado e apreciativo de panelas, fogões a lenha e colheres de madeira. Ganhador do prêmio de melhor direção no Festival de Cannes 2023 , O Sabor da Vida lembra o contemplativo primeiro filme do cineasta, O Cheiro do Papaia Verde (1993), indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. 

Com boas credenciais, o comitê cinematográfico francês apostou em cheio na indicação de O Sabor da Vida para representar a França, como um cartão postal da boa gastronomia do país. Afinal, uma das produções mais célebres no imaginário estrangeiro sobre os restaurantes franceses é a animação norte-americana Ratatouille (2007), de Brad Bird

Dois anos antes, uma produção semelhante chegou aos cinemas com o chamariz para a história do primeiro restaurante da França e a popularização da gastronomia aos burgueses, já que refeições e banquetes eram oferecidas apenas aos nobres. Com atores menos conhecidos do público internacional — Grégory Gadebois e Isabelle Carré — e sem passagem por imponentes festivais, Delicioso: Da Cozinha para o Mundo (2021), de Eric Besnard , não recebeu tanta atenção e passou no Festival Varilux de Cinema Francês 2022 , no Brasil.

Ouso afirmar que Delicioso: Da Cozinha para o Mundo tem mais tempero — isto é,  romance, vingança e humor pastiche — que O Sabor da Vida , porém o último apresenta um charme mais refinado, seja pelos atores consagrados, seja pela mise-en-scéne inebriante. Esses elementos, entretanto, são suficientes para conduzir o público durante mais de duas horas de culinária misturada a uma pincelada de romance? 

O Sabor da Vida narra a paixão do rico Dodin Bouffant ( Benoît Magimel ) por experiências culinárias com a ajuda da sua dedicada cozinheira Eugénie ( Juliette Binoche ). Ele nutre uma profunda admiração por ela e, possivelmente, uma velada paixão, porém ambos intercalam longos olhares sem nunca comunicarem verbalmente os sentimentos cozinhados em banho-maria. 

Além do possível romance, o enredo debruça-se sobre a pertinência de Dodin provar ser o melhor cozinheiro da região e oferece banquetes a seus amigos da alta classe. Quando convidado para ser abarrotado de comida por outro aristocrata, Dodin decide devolver o convite, todavia com o objetivo de servi-lo um prato rústico, um pot-au-feu , um ensopado de carne de boi com legumes. O segredo do prato, no entanto, é o tempo de cozimento de cada ingredientes, desde a carne até as cenouras, rabanetes, alho-poró, etc.    

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Enquanto buscava treinar a sobrinha de 13 anos como substituta, já que a menina leva jeito com os alimentos, Eugénie é acometida de uma doença debilitante. Com o imprevisto, Dodin inverte os papéis e dedica-se a cozinhar o melhor (e último) pot-au-feu da vida da sua secreta amada por 20 anos. Para isso, ele tenta sublimar todos os sentimentos reprimidos através da arte de cozinhar. Se a mensagem soa bonita, o romance  — apesar das brilhantes interpretações dos atores  — não encanta e torna-se aguado e sem sal em um mirrado fio narrativo do meio ao fim. 

Em uma sociedade urbana dominada por fast-food , produtos industrializados e serviços de entrega por aplicativo, o prazer de cozinhar parece pedido no cotidiano, assim O Sabor da Vida propõe o resgate da apreciação do preparo dos alimentos. Infelizmente, o gosto do filme esvai-se logo após o final e não nos marcará mais do que os pratos que desfilam em nosso feed nas redes sociais. 

Lançado em Competição Oficial no Festival de Cannes 2023, O Sabor da Vida ( La passion de Dodin Bouffant ) tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros em 29 de fevereiro de 2024. O título é distribuído pela Diamond Films no Brasil.

Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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