Crítica | Querido Menino – Drama morno sobre dependência química sob ótica do pai

Filmes sobre dependentes químicos rendem jornadas do fundo do poço à redenção, ou, ao menos, a uma batalha perpétua contra o desejo dos entorpecentes. Os casos mais marcantes de jovens nesta caminhada são os de Diário de um Adolescente (1995) e Eu, Cristiane F. (1981), ambos baseados em histórias reais, tal como Querido Menino ( Beautiful Boy ), de Felix van Groeningen( Alabama Monroe ).

Baseado no livro do jornalista David Sheff( Steve Carell ), o filme é focado na angústia de David em relação ao filho adolescente Nic Sheff ( Timothée Chalamet ), um menino bem educado, bonito, com todas as oportunidades abertas para ter um excelente futuro, entretanto, ele começa a utilizar metanfetamina e a sua vida passa a ser contar os dias sem as drogas e a depressão de saber que no dia seguinte todo o esforço pode esvair-se.

Com um roteiro voltado para o sofrimento do pai, sob a perspectiva da narrativa, não há explicações para o vício do menino ou mesmo os seus momentos mais sombrios. O espectador não acompanha a trajetória de Nic, mas a aflição de um pai que negligencia a atual esposa e outros dois filhos para preocupar-se a todo instante com o primogênito. Steve Carell entrega uma atuação regular e emotiva, em que seu personagem chega a experimentar o ópio em busca de entender o que o filho sente.

Assim como David, o espectador se vê no escuro para entender o comportamento e sentimentos de Nic. Ninguém oferece a substância ao garoto, ele começa o seu percurso como uma curiosidade e não há pistas de como ele sustenta o próprio vício, com exceção de duas cenas: o roubo de oito dólares do irmão mais novo e, em outro momento, saqueando a casa do pai.

Este último momento é uma das cenas mais emocionantes do filme, quando a madrasta Karen ( Maura Tierney ) decide canalizar o sofrimento de todos ao redor do garoto e persegui-lo pela estrada. A conclusão da cena, graças ao talento da Maura, é mordaz. São esses momentos de desesperança que constroem o filme, mesmo apenas tocando na superfície dos sentimentos de Nic, tal como quando ele, após meses limpo, não suporta a dor de existir e entrega-se à fuga química novamente.

Diferente dos sensoriais e excêntricos filmes sobre o fundo do poço, Trainspotting: Sem Limites (1996) e Medo e Delírio (1998), Querido Menino é um dramalhão raso. Seu objetivo é mostrar como os entorpecentes não afetam apenas a vida do dependente químico, mas todos a sua volta.  Por outro lado, o filme sutilmente insinua uma depressão desenvolvida por Nic pela falta de pertencimento a um lugar, uma comunidade, apesar de todo suporte e afeto recebido.

Desse modo, Querido Menino é uma longa-metragem sobre o relacionamento pai e filho, em que tanto o talentoso e entregue Timothée Chalamet  quanto  Steve Carell  desenham notavelmente uma química parental. Uma das cenas mais impactantes é o encontro dos dois em um restaurante, em que o pai percebe a perturbação do filho, mas não consegue ajudá-lo ou compreendê-lo e o deixa partir desamparado.

Não deixe de assistir:

Querido Menino , tanto filme quanto livro, é uma declaração pública de amor e impotência de um pai aos pedaços com um quebra-cabeça insolúvel à sua frente. Felix van Groeningen transmite a mensagem de forma metódica, sem grandes rompantes e aproveita o cenário ensolarado da Califórnia para mostrar que dentro de toda escuridão há um caminho de luz, mesmo que, por vezes distante.

Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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